Estamos vivendo um momento profundamente ético. Parece estranho falar assim, tendo em vista as atrocidades que todos os dias saem nos jornais- começando pela roubalheira desenfreada em Brasília. Ainda assim, penso que nunca nos questionamos tanto sobre o valor de nossos próprios atos como nos dias atuais. Quando falo em ética, estou falando no conjunto de valores que vêm de dentro de nós- diferentemente da moral, que é imposta pelo que está fora. Se antigamente tínhamos nossos destinos traçados pelo lugar geográfico e a posição social onde nascemos, hoje somos responsáveis por inventar nossa própria vida!
Se nós respeitarmos a distinção que é feita, de que a moral é o quem vem de dentro, podemos dizer efetivamente que vivemos o momento mais ético da história ocidental. Na ética moderna, o foro íntimo do sujeito é o que em última instância deve decidir o que é bem e o que é mal; o que é certo e o que é errado. O sujeito que age corretamente porque está obedecendo a uma série de mandamentos, um código de costumes(seja ele religioso ou não), não é ético por definição. Porque ele só obedece. Ético é um sujeito que se questiona sobre o valor dos seus atos.
Um exemplo(religioso) de um sujeito antiético que todo mundo conhece é Abraão, do ponto de vista moderno ele é um sujeito profundamente antiético. Ele recebe uma ordem de Deus para matar seu filho. Fora o fato de que ele pode ter se atormentado bastante antes de levantar o braço para fincar a faca no peito do filho, sem dúvida ele é o protótipo do sujeito antiético porque simplesmente ele não questiona o valor de seu ato, quem muito se assemelha a ele são os militares argentinos que torturavam por obediência devida ou dos carrascos nazistas que achavam que não tinham que questionar as ordens que vinham de cima, ou até mesmo um terrorista islâmico nos dias atuais, que deve colocar uma bomba num avião porque assim determinou o seu líder.
Nota-se que ser sujeito no sentido moderno é muito pesado porque significa algo relativo em relação aos nossos antecedentes. Um sujeito clássico tinha seu destino traçado pelo lugar onde ele nascia. Se o pai fosse um artesão, ele também teria que ser um. A mobilidade era muito rara. Já o sujeito moderno não só pode como também deve inventar a sua própria vida. Ele se define muito mais pelos seus atos e suas potencialidades futuras do que pelos seus antecessores e o berço onde nasceu. Isso faz com que, sem dúvida, nós vivamos num campo de incerteza muito maior. O sujeito moderno não responde à necessidade de um destino, mas à liberdade de uma escolha. Isso produz ansiedade e cria ondas brutais de nostalgia, é por isso que nos sentimos aliviados ao encontrarmos alguém que nos diga o que fazer.
Fala-se com muita frequência que somos uma sociedade decadente. Nós adoramos esse discurso da decadência. Mas é uma balela. Não somos uma sociedade e uma cultura em declínio. Nem um pouco. Nunca fomos tão profundamente éticos como agora, nunca nos questionamos tanto sobre o valor de nossas escolhas; e a escolha de nossos valores.
p.s- Ética é uma palavra que vale por mil imagens, a imagem do começo do texto é do filósofo grego Aristóteles, homenagem merecida.
p.s2-Meu próximo texto vai ser dedicado aos valores, não necessariamente os monetários.
5 comentários:
Muito bem escrito. E polêmico!
Analisem a mente de um 'serial killer', prestes a fazer mais uma vítima. O assassino ao questionar o valor dos seus atos, vai receber um sinal positivo e vai matar novamente.
O valor desse ato dele, foi aprovado na "sua última instância do foro íntimo".
Portanto, esse ato seria ético?
Eis a questão!
Diz-se que o homem é produto do meio e isso leva à conclusão de que o homem sempre verá naturalidade naquilo que ele tem uso ou costume. Em um exemplo bem simples, é por isso que você sempre lava as mãos antes de comer: você faz isso desde que era um rebento chorante. Você pode até não fazer, mas fica com uma vozinha na cabeça te lembrando quão porquinho você foi. :P
Em suma, questionar valores não te levará exatamente a fazer a melhor escolha, mas a refletir sobre a escolha tomada (seja ela certa ou errada).
PS1: Não sei se meu pensamento justifica a ação do hipotético serial killer. :P
PS2: Acho que tem um errinho na primeira linha do segundo parágrafo, quando você diz que "moral é o quem vem de dentro". Não seria a ética?
Lembrei do meu curso em minhas primeiras aulas e beto com certeza vai lembrar também: O SER E O DEVER SER!
teste para novo blog!
Tudo bem que agente ressignifique as coisas ou informações que recebemos, mas tudo tem um limite social.
E basicamente é por isso que nós chamamos o meio que vivemos de Social.
Também acho que agente tem se questionado muito sobre os nossos comportamentos em um espaço que é coletivo, e isso é efeito da ética que surge como um regulador social.
Ah, e como a ética é algo construído socialmente, para favorecer um convivio coletivo, o serial killer, psicologicamente falando, não conceberia a ética já que ele construiu um mundo próprio, deixando de viver em um espaço coletivo, fazendo uso de tudo e de todos para sustentar suas fantasias (para nós, porque pra ele é realidade).
P.S. O texto ta fantástico.
Postar um comentário